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Ferida e a dor

  • Foto do escritor: Dialogue Câmara de Mediação
    Dialogue Câmara de Mediação
  • 24 de jul. de 2023
  • 2 min de leitura

A tensão era evidente, entraram naquele ambiente e sabiam que não haveria como voltar atrás. Estavam na mesma sala de espera, um salão amplo com duas grandes janelas que davam para o calçadão. A luz iluminava o ambiente, porém não o aquecia, ou, ao menos, ambas mantinham uma sensação de frio percorrendo suas espinhas. Esperavam a sua vez com um cruzar e descruzar de pernas e mãos que se apertam uma a outra. Enfim, o confronto se daria. Na mente ora um ecoar de nada, ora um turbilhão de ideias e imagens. Recorreram uma de cada vez ao bebedor. O salão parecia pequeno para tantos passos que seriam necessários para adentrar aquela porta.


A ferida a ser desnuda trazia temor e nojo, tentaram escondê-la, porém ela sobrepujava o tecido do curativo. A convivência com ela era muito dolorida e enfraquecia as hospedeiras, deixando-as obcecadas pela sua dor. Cuidaram do ferimento por muito tempo, como quem cultiva uma planta exótica e venenosa, afeiçoaram-se aos cuidados e a atenção a fim de não serem envenenadas. Permitiam que alguns examinassem de longe, mas nunca deixavam ninguém se aproximar. Apesar de distantes, os cuidados de uma floresciam a flor da outra.


Quando a porta abriu, foram surpreendidas pela forma cordial, nada formal, com que foram acolhidas. O sorriso da recepção aqueceu um pouco o ambiente e descomprimiu a tensão que sofria todos os tendões dos corpos já prontos para a batalha. Entraram na sala e foram convidadas a sentar-se lado a lado. Imediatamente a ferida sangrou e um pus espesso desbordou do curativo. Havia um vulcão eclodindo e os corpos vibravam no efeito sísmico. Copos de água foram oferecidos para conter o fogo.


Seguiram-se os procedimentos muito delicados e acurados para que ambas permitissem a retirada da gaze, procedimento realizado lentamente por uma. A limpeza inicialmente da borda pela outra e depois aprofundando-se na derme, um trabalho coletivo. Era impossível administrar um anestésico neste tratamento, assim, cada etapa era realizada com cuidado e delicadeza. Via-se a dor manifestando-se, mas ambas já a carregavam por tanto tempo que se percebia um certo conforto no seu contato.


Feita a limpeza profunda, onde retirou-se a casca morta, a secreção purulenta até chegar-se a parte subcutânea íntegra, solo fértil e saudável para recuperar-se a saúde. Após um pequeno respiro, iniciou-se a recomposição das camadas, algumas conseguiram ser emendadas, outras ficaram num regime de emendo futuro. A dor como ardência permanecia, ela demandaria um processo para evadir-se, mas a tensão do ferimento havia desaparecido, era a sensação de alívio a que brotava nos semblantes.


Ao assinar o termo de entendimento escrito conjuntamente por elas, os mediadores facilitadores daquele procedimento, já não sentem o incômodo em ambas de estarem na mesma sala, respirando o mesmo ar e sentadas lado a lado. O convite de inflexão do olhar para o futuro parecia fazer sentido. Não valia a pena o cultivo da dor.


Conseguiram sair ao mesmo tempo ladeando-se, ainda havia barreiras a serem transpostas. No entanto, esperançosamente acreditavam que no futuro seria possível um abraço que esmagaria o rancor, as palavras melindrosas, a mágoa. Mesmo prevalecendo certo estranhamento, andavam pelo calçadão, permitindo a curadoria do sol que ainda brilhava.


Andrea Schmitz Rodriguez


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